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      08/12/2010 | Saudades do meu Natal de Arita Pettená

      Quando a gente é criança e não conhece os dias e nem os meses e nem os anos, aprende a sentir o natal pelas musiquinhas do rádio, pelas árvores adornadas, pelas vitrines ricamente ornamentadas e, principalmente, pelo canto das cigarras. E estas vêm em bando e se instalam nas árvores copadas, a cantar bem alto:
      – Vamos, crianças! Papai Noel está chegando. É hora já de refazer sonhos!
      Ah! Faz tanto tempo e eu me lembro como se hoje fora. Na minha exuberante e bela Florianópolis, as minhas queridas cantadeiras se punham nos galhos de um enorme flamboyant.  
      E lá ia eu para o jardim a ouvir a canção de paz e de ternura das minhas pequeninas jograis. E não sei por que, já naquela época, chorava facilmente diante de tudo aquilo que achava belo na natureza. Depois voltava junto à mamãe, e começava a fazer-lhe mil e uma perguntas: – Quantos dias faltam para o Papai Noel chegar, mamãe?
      E mamãe, pacientemente, recorria à sua experiência maternal, porque sabia muito bem que números são fantasmas para gente pequena. É que era preciso contar nos dedos, para aprender mais depressa:– Olhe, querida, faltam todos os dedinhos de sua mão. Cada dia que acordar, tem de diminuiu um. Quando não sobrar mais nenhum... Chegou o Natal!
      – Que bom mamãe! Vamos então fazer logo a árvore.
      E lá se ia mamãe, com toda a sua prole, a arranjar a árvore de Natal, bem no canto da sala. Acho que se fossem pintainhos, acompanhando mamãe galinácea, o barulho seria bem menor. Imaginem vocês uma casa com sete meninas, todas com personalidade forte e opiniões diferentes.
      – Mamãe, esta bola vermelha fica melhor aqui.
      – Não, mamãe, eu acho que é a azul.
      Pobre mamãe! Parecia ouvir todas. No fundo ia arrumando tudo a seu modo.
      – Pluft! Quebrou uma bola!
      – Que pena, mamãe! Era a mais bonita.
      – Não tem importância! Há tantas coisas i que se vão e que não voltam mais!   
      Olhávamos curiosas umas para as outras sem entender o significado.
      – Pluft! Quebrou outra!
      E em nossa ingenuidade de crianças, repetíamos sorrindo:
      – Não tem importância! Há tantas coisas que se vão e que não voltam mais!
      Os dias foram-se apertando, comprimindo-se pela ansiedade, até que, radioso, chegou o Natal. Meu Deus, quanta alegria!  Embalávamos nossas bonecas de pano como se fossem bebês saídos de nossas entranhas. Depois as horas corriam céleres. Toda a família, que não era a Trapo, vinha participar do almoço que, como era de praxe, constituía-se de “peru anual”. Na ponta da mesa, sentava-se papai. O resto espalhava-se como podia. Vovó, como sempre, punha os óculos para ver melhor o “menu”. E a gritaria das menores deixava-a atordoada e a resmungar, enfaticamente: – Alfredo, tu  precisas  educar melhor essas  crianças.
      Não, confesso que não entendia muito bem aquelas palavras. Educar de que maneira, se papai nos dominava com um simples olhar. Mas agora eu o contemplava extasiada, vendo-o sorrir feliz no meio de seus rebentos. E me punha a cismar em silêncio: Não, eu não sei porque ouço murmúrios de que papai, de vez em quando, é ameaçado de morte. Só porque escreve bonito no jornal? Só porque defende  oprimidos e injustiçados? Só porque fala a verdade?
             

            Só muito mais tarde então pude compreender que, neste mundo, é preciso sufocar verdades e ideais para poder sobreviver, e que certas palavras, como fome e liberdade, ainda constituem tabus em nossa época. Mas voltemos ao meu Natal. Agora a criançada gritava, alegremente: – Quantas laranjas, mamãe? E a doce e suave mamãe, abrindo os dois dedos em “V”, falava mais alto ainda, para não se envergonhar dos vizinhos: – Quantas quiser.
      Depois chegou a tarde e chegou o anoitecer e os sonhos levaram para longe o Natal de minha infância. E lá se foi junto o canto das cigarras. Nós crescemos, casamos e tivemos filhos. As vitrines surgiram, novamente, para gáudio dos olhos infantis. As musiquinhas, já agora em estilo diferente, espalhavam-se em todos os lares. As cigarras voltaram em bando, a cantar mensagens de Natal. E, novamente, começamos a arranjar árvores: – Pluft! Quebrou-se uma bola.
               Instintivamente respondíamos dentro de nós: – Não tem importância. Há tantas coisas que se vão e que não voltam mais!
      Neste instante uma lágrima rolou. É que só agora entendíamos, claramente, a profundidade das palavras de mamãe.
      Papai foi-se embora e nunca mais voltou!

      Arita Damasceno Pettená
      Presidente da Academia Campineira de Letras,Ciências e Artes das Forças Armadas



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