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A OMISSÃO PRODUZ A CORRUPÇÃO
O Plano Diretor é uma lei municipal, instrumento de governo com caráter político, pensado como um processo de permanente articulação entre as necessidades da população e os interesses do Poder Público, inserido no projeto amplo e coletivo de organização de uma cidade. O Plano Diretor (PD) de Campinas data de 2006 e dividiu a cidade em 9 macro-zonas, que devem elaborar seus respectivos Planos Locais de Gestão(PLG) de forma participativa e transparente, para que se exerça o controle social cidadão. O macro-zoneamento é o referencial espacial de uso e ocupação do solo em concordância com as diretrizes estratégicas de política urbana municipal, estadual e federal. Os Planos Locais de Gestão devem propiciar para a respectiva macro-zona o crescimento e desenvolvimento econômico local em bases sustentáveis, garantindo o atendimento às necessidades dos moradores/cidadãos, melhorando a qualidade de vida e realizando justiça social. O referencial espacial urbano com a delimitação e classificação de áreas das 9 macro-zonas já foi aprovado na Câmara. Tal como o PD os PLG necessitam de revisão conforme o estabelecido no Estatuto da Cidade. A revisão dos PLG deve ainda ser encaminhada à Câmara, para que durante este ano legislativo todo o planejamento urbano seja revisto, discutido e apreciado com a mais ampla publicidade. Se considerarmos as várias intervenções inconstitucionais sofridas pelo nosso PD, os PLG ainda vão “dar muito pano para manga” aos nossos Vereadores e à Administração Municipal. Nossa salvação reside no trabalho e atenção constantes do Ministério Público da Habitação e Urbanismo que consegue enquadrar as irregularidades que já foram e ainda podem ser realizadas.
A discussão e revisão do PLG da macro-zona 3 classificada como de urbanização controlada, abrangendo o Distrito de Barão Geraldo, os campi da PUCC e UNICAMP, Ceasa e Ciatec é um dos poucos cujo trabalho está bem avançado. Nas reuniões entre a Secretaria de Urbanismo e os movimentos sociais e associações de bairro, o que mais tem saído são faíscas, discussões acaloradas entre as partes, alguns insultos, informações do ano de 2000 completamente defasadas, demonstrando ausência de conhecimento do assunto, por parte do Poder Público. A disparidade de visão estratégica de organização da macro-zona 3 é gritante, tornando a articulação de interesses muito difícil. A secretaria de urbanismo esquece que uma das prioridades do PLG é a qualidade de vida dos moradores e não discute os pressupostos essenciais para que esta se realize. Na pauta de seus técnicos não constam a discussão do colapso no abastecimento de água na RMC, a poluição por dejetos de esgoto particular do Ribeirão das Pedras, o destino do lixo e validade dos aterros sanitários, cálculo de impacto viário com deterioração do trânsito em vias públicas sub-dimensionadas, a frota crescente de veículos sem fiscalização de emissão de gazes poluentes, a insegurança que aumenta a cada dia o índice de criminalidade na região.
Não se pode radicalizar e não querer o progresso; a evolução de nossa cidade sofre mudanças difíceis de prever que a lei orientadora de seu desenvolvimento precisa acompanhar. A revisão do PD e dos PLG deve ser feita com ampla discussão, exercício democrático da Cidadania independente, respeitando a vontade dos moradores. A Prefeitura não pode ignorar que a propriedade urbana precisa cumprir função social, que deve servir para o benefício da coletividade, e não apenas aos interesses dos proprietários. Os terrenos vazios, edifícios subutilizados ou não utilizados em áreas com boa infra-estrutura, não podem ser prioritariamente moeda de troca entre o Poder Público e a expansão ilimitada dos empreendedores imobiliários.
O Governo Municipal acaba de anunciar a criação de mais 3 APAs que podem ser (?) sinal de mudanças de olhar e preocupação políticos, procurando respeitar os PLs criadores das macro-zonas que estabelecem corredores ecológicos, parques lineares tornando prioridade a política ambiental. Se considerarmos as inúmeras inconstitucionalidades cometidas pelo Poder Municipal e o estado calamitoso das áreas de preservação já existentes e o descaso para com a Mata Sta. Genebra, nossa maior área de conservação, nada nos garante o respeito legal e legítimo que as nossas autoridades responsáveis possam vir a ter pelo patrimônio urbano, histórico e ambiental. Uma das APAs recém-criadas margeia o perímetro urbano da macro-zona 3 e pretende retirar os moradores do Vale das Garças e adjacências, interferindo na liberdade de escolha e Dignidade da população, jogando no lixo a função social da propriedade na organização da cidade, que deve ser planejada com ações discutidas por todos os interessados e não por inadequados Decretos do Executivo.
Com o andar da carruagem nossa cidade será exemplo da irresponsabilidade e ignorância em administração pública e organização urbana. O recente caso de mais de 6 mil famílias vivendo em áreas de risco e para as quais ainda não foram construídas habitações suficientes, dignas e seguras para sua transferência, é emblemático. Certamente essas áreas e essas famílias não devem constar do rol das maiores preocupações do governo municipal e não são localizadas no mapa do planejamento urbano da cidade. Se não houver participação por parte da população, exigindo medidas dignas de intervenção, continuaremos sendo governados por um time que privilegia “os que menos precisam”, em especial os especuladores imobiliários. Teremos coragem de contar aos nossos filhos que a nossa omissão e indiferença provocaram a negligência coletiva no exercício da Cidadania? Que fazemos parte de uma população individualista, e que a solidariedade, o respeito por nossos deveres e exigência de nossos legítimos direitos é um processo cidadão contínuo, que deve prevalecer na organização social? A História não julgará somente o Governo Municipal. Cada um de nós terá também seu tribunal, nem que seja a sua consciência cívica.
Maria da Piedade Eça de Almeida
Filósofa/Política, professora universitária, Diretora do Movimento pelos Deveres/direitos do Cidadão e da Escola de Governo em Campinas.
mpbalmeida@uol.com.br