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      17/02/2010 | Oswaldo Antônio Urban

      Prestes a completar 90 anos, Oswaldo Antônio Urban é o regente que mantém o coral Pio XI na ativa por mais de 60 anos.

      O cinema era mudo. Para animar a sessão, pouco antes da projeção propriamente dita, a orquestra Jazz Urban entrava em cena. Seis irmãos mais velhos de Oswaldo Antônio Urban, de 89 anos, integravam o grupo. “Eles faziam a abertura, vamos dizer assim.” E ele, ainda menino, colocava o violino embaixo do braço, e entrava junto. “Servia de passagem para mim, de bilhete de entrada”, lembra. Sem perceber, estava sendo plantada ali, neste gesto, a semente de uma atividade que Oswaldo levaria para a vida toda, apesar dos inúmeros cursos que fez e lecionou: a de regente de corais. E para acompanhá-lo na jornada, faz questão de citar um nome: dona Letícia Maria de Queiroz Urban, a esposa que em suas palavras sempre o incentivou a ser o que é, apesar de suas ausências em nome da música. Toca piano, teclado, flauta, “um pouco” de violão e, claro, “o diapasão, né?”. Mas o seu preferido é mesmo o piano.

      Nascido em Leme, no interior de São Paulo, Oswaldo Antônio Urban veio para Campinas pela primeira vez aos 13 anos. Entre muitas idas e vindas para estudar e lecionar, voltou definitivamente em 47, onde logo em seguida conheceria “o pessoal que fundou o coral Pio XI.” Terminou por ser convidado a dirigir o grupo por “uns meses”. Hoje lá se vão 62 anos à frente do coro, formado por vozes masculinas e que tem um estilo todo próprio: só canta músicas em latim. “Cantamos bastante em igrejas, mas temos nosso programa lírico, folclórico”, explica Urban.

      Mas ele reconhece: não é só isso. “Em mais de um lugar que levo o coral para fazer uma apresentação, tenho ouvido das pessoas uma expressão que varia muito pouco: ‘Quando vocês cantam, fazem Deus vir à Terra’”. Além do Pio XI, rege outros três corais: o Vozes Amigas, o Coral de Maria (ligado à igreja de Nossa Senhora Desatadora dos Nós) e o da Tecnol.

      Em 26 de outubro, o avô de sete netos e pai de três filhos – Marcelo, Márcio e Margareth – completará 90 anos. Vai ter festa? “Esperamos que sim. O pessoal dos corais está se movimentando para fazer alguma coisa diferente. Além da família, né? Tenho uma neta, Fernanda, que veio aqui em casa e arrebanhou tudo quanto é fotografia, notícias, para fazer um DVD/vídeo, que ela quer passar no dia. Ela é muito entusiasmada comigo,” comenta entre risos.

      Urban, como é conhecido, lembra que os seus filhos, por muito tempo, também formaram um grupo musical: o Trio Urban. Conta que pararam quando se casaram. “Mas sempre que se encontram, ainda tocam.” E diz nesta entrevista à Metrópole, com inegável prazer, que os três se revezam em oito instrumentos. “Até hoje é um dos maiores orgulhos da vida.”

      A que atribui a sua longevidade?

      A tanta coisa... Mas principalmente ao cultivo da música. Falo muito para os meus alunos que a música, cientificamente provado, mexe com os neurônios. Não só aquelas que ouvem, mas em especial aquelas que a praticam. Principalmente a voz. No dizer de muitos autores, compositores como Bach, Beethoven e Mozart, a voz é o melhor instrumento que existe na Terra. Isso anima o pessoal para cultivar a música, se empenhar no desenvolvimento de uma canção, de uma partitura, de uma prece cantada. Ao mesmo tempo colabora para que a pessoa se sinta mais jovem. Alguns autores, ao lado do trabalho intelectual, colocam o cultivo da música como uma forma de retardar o envelhecimento.

      Em termos de alimentação, exercícios, o senhor se cuida também?

      Faço exercício sistematicamente. Todo o dia vou à academia e faço meia hora de musculação e meia hora de hidroginástica, há uns cinco anos. E na alimentação, quando tinha meus 14, 15 anos, sofria muito do estômago. E o médico aconselhou que eu mastigasse bem os alimentos, pelo menos 32 vezes a cada bocada. E eu me acostumei. Hoje, não sou capaz de engolir alimento nenhum sem mastigar umas 30 para mais vezes. Como bem, mas pouco. E como de tudo também. Menos pimentão e chumbo derretido (risos). E nunca pus um cigarro na boca. Isso é importante.

      Embora o senhor tenha uma formação extensa – Filosofia e Teologia, Pedagogia e Orientação Educacional, e Ciências Jurídicas e Sociais -, a música aparentemente ocupa um lugar diferenciado neste rol. Como o senhor a definiria em sua vida?

      Para mim é Deus na Terra.

      Quando e como a música entrou em seu cotidiano?

      Desde criança. Meu pai, Humberto Urban, era músico, diretor do coral da igreja em Leme, tocava piano, clarinete, participava da banda municipal e ensinou música para todos os filhos. Éramos sete irmãos homens e uma menina. Todos os homens, depois de um tempo, se juntaram numa orquestra de jazz, a Jazz Urban. E eu, que sou um dos últimos, me empolgava com o que os meus irmãos mais velhos faziam. Aos sábados, eles faziam ensaios em casa, que ficava apinhado de gente para assistir. Depois, quando vim estudar em Campinas, no seminário, encontrei um professor maravilhoso, o maestro Salvador Bove, um dos fundadores da sinfônica, junto com o maestro João de Túlio. Ele lecionava no seminário e me deu as orientações básicas. Foi com ele que comecei a dirigir um coral pela primeira vez. Tinha 14 anos.

      Fale-me de uma passagem com a música na sua infância que tenha o marcado profundamente...

      O que me marcou foi ouvir a marcha fúnebre no sepultamento de meu pai, com a banda da cidade de Leme tocando no cortejo. Isso me marcou muito. Tinha seis anos. Ele morreu muito novo, com 42 anos.

      Qual é o segredo para reger um coral?

      Cultivo com eles uma coisa: tenho uma palavrinha-chave, que dirige a minha vida, chamada Meca. Para mim ela é constituída de quatro palavras fundamentais, que todas as pessoas podiam cultivar na sua ação, na sua profissão e na sua vida. Tudo que a gente faz, a gente pode: Modificar o que fez para melhorar; eliminar o que provou que não deu certo; conservar o que foi provado bom e acrescentar o que possa ter faltado. Eu faço isso constantemente nos corais. Não deu certo, modifica, muda para cá e para lá, cria outra coisa.

      Queria, se possível, que o senhor me descrevesse como é iniciar um grupo de coral leigo e vê-lo evoluir ...

      Ensaiando com frequência e repetindo, até conseguir o objetivo que a gente quer. Repetitio Mater Studiorum Est. A repetição é a mãe de todos os estudos, a mãe da sabedoria. Aplicando técnicas especiais que o curso de regência nos fornece para conseguir apurar as vozes, melhorar a entonação, fazer com que cultive a expressão, para dar uma interpretação adequada ao que eles cantam.

      Que música, se pudesse, estaria sempre presente em qualquer programa que o senhor rege?

      A música My Way. E na parte sacra, Os Céus Proclamam a Glória de Deus, de Beethoven.

      Como o senhor normalmente escolhe o repertório de uma apresentação?

      Cada apresentação tem seu objetivo específico. Estou preparando um programa com o Pio XI, A Volta ao Mundo, em vez de 80 dias, em 30 ou 40 minutos, pegando músicas de várias nações, mais para erudição. E nunca deixando de colocar alguma coisa de Carlos Gomes e de música brasileira.

      O que, na sua opinião, jamais pode ou poderá faltar a um bom regente?

      Paciência e dedicação. Além da cultura e da técnica.

      Para terminar, em que a regência o mudou e/ou o aprimorou para a vida?

      Depois que eu intensifiquei a atividade de regente, muitas outras coisas também começaram a funcionar melhor. Mais percepção, querer fazer a coisa mais adequadamente, colaborar mais, e pensar bastante no próximo, no benefício que isso pode trazer para o próximo. Eu falo muito para os cantores: se somos felizes cantando, nós distribuímos também felicidade para quem nos ouve. Tanto que muitas vezes a gente vê as pessoas com os olhos marejados de satisfação, de alegria e de emoção. Isso tudo é uma forma de construir melhor a sociedade.

      Entrevista publicada em 5/7/2009 na Revista Metropole
      Josiane Giacomini
      Alves.josiane@rac.com.br

       



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