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O CARLOS GOMES LEGÍTIMO DO MAESTRO ROBERTO DUARTE.
Ao longo de muitos anos de educação infantil e juvenil na cidade de Campinas/SP, e depois com o cultivo dos estudos sobre a vida e a obra de Carlos Gomes notadamente no ambiente cultural de Campinas, sua cidade natal, concluo com opinião pessoal sobre os cinco motivos que contribuem para que o maior compositor do continente americano permaneça fora das programações de apresentações de suas obras, ao vivo ou mesmo em gravações, neste nosso Brasil dos dias atuais. Esses motivos, a meu ver, são os seguintes:
(1) Carlos Gomes escolheu ser compositor de Ópera, numa época em que ela começava a ficar fora dos hábitos de uma certa população de massa, pois depois desse gênero musical iam surgindo as Revistas, as Operetas, sendo que logo após chegou o Cinema; e, além disso, para encenar ópera é necessário ter teatro especial, com fosso para orquestra e palco adequado para manejo de grandes cenários.
(2) O governo brasileiro não cuidou de tombar, logo após o falecimento de Carlos Gomes, as partituras de suas obras, que permaneciam como propriedade dos editores, notadamente da Editora Ricordi, da Itália e assim não se tinham partituras para executar suas óperas.
(3) No ano de 1889 estabeleceu-se no Brasil o governo republicano, em detrimento do Imperador D. Pedro II, grande admirador e até certo ponto mecenas de Carlos Gomes, o que fazia com que os novos governantes vissem na pessoa de nosso Maestro um possível reacionário às novas diretrizes de governança do País, sendo mesmo que nosso maior compositor, perante o convite para compor o Hino Nacional da República do Brasil, negou-se a tal, por ver no gesto de aceite desse convite uma atitude de infidelidade a seu amigo, o Imperador; é evidente que isso reforçou sua imagem de reacionário ao governo e, como resultado, não lhe foi concedido o cargo de Diretor do Conservatório Nacional do Rio de Janeiro, não tendo ele outra opção senão aceitar o oferecimento do Governador do Pará, Lauro Sodré, para ser o Diretor do Conservatório de Música de Belém do Pará, onde veio a falecer vitimado por câncer na garganta.
(4) Carlos Gomes faleceu em 1886, portanto quatro anos antes de entrarmos no século XX, e na década de 1922 adveio, em nosso País, o movimento cultural chamado “Semana de Arte Moderna”, cujos líderes faziam questão de valorizar com maior ênfase todas as criações artísticas que tivessem como temas assuntos de natureza nacional, e Carlos Gomes, no caso, era o oposto dessa intenção estética, pois suas fontes de desenvolvimento criador eram as vigentes na Europa, principalmente na Itália.
(5) E, por último, como um entrave à maior divulgação da obra de Carlos Gomes é o fato de que suas composições são de cunho extremamente difícil para uma execução e uma interpretação que sejam fidedignas às suas ideias estético-musicais. Eu me lembro, de meus inícios como integrante de Orquestras Sinfônicas, do temor que me acometia quando, ao abrir uma parte de violino em minha estante, deparava-me com uma obra de Carlos Gomes cuja armadura de clave era com cinco sustenidos ou seis bemóis, por exemplo! Tinha que levar a partitura para casa e estudar religiosamente para que meu desempenho fosse a contento! E, no caso de cantores é sabido que as linhas melódicas de Carlos Gomes muitas vezes utilizam-se de grandes alturas em cada registro de voz específico, exigindo grande técnica vocal dos mesmos.
E é nesse último ponto que venho apoiar-me para louvar a magnífica apre-sentação no último dia 10, no Teatro São Pedro, da cidade de São Paulo, para a inau-guração da Orquestra Sinfônica como corpo estável desse Teatro, regida pelo consagrado Maestro Roberto Duarte.
Certa vez, em carta a Taunay, Carlos Gomes escreveu o seguinte: “Oh! os artistas! Eles matam ou dão vida ao papel que rabisco!” (cf. Niza de Castro Tank, Minhas Pobres Canções - Carlos Gomes. São Paulo: Algol Editora, 2006, p. 36).
Que preciosidade de concerto! Que noite memorável! Que oportunidade de ouvir Carlos Gomes como efetivamente um gênio na área da música, porque as leituras de suas partituras foram absolutamente precisas em detalhes de execução extremamente difíceis, resultando num todo estético autêntico conforme a criação do compositor, revelando toda as suas características pessoais nas ideias musicais que se desenrolavam em cada trecho, mostrando genuinamente a que vinha e a que vem Carlos Gomes. Reputo o Maestro Roberto Duarte como o maior intérprete de Carlos Gomes.
E ainda há a anotar o fato de que essa Orquestra do Teatro São Pedro é constituída apenas de elementos jovens! O Maestro Duarte conseguiu impregnar nas mentes desses moços e moças a responsabilidade de respeitar esses pormenores de exatidão necessária para interpretar, com honestidade intelectual e estética, a obra de Carlos Gomes. Que feito! Que feito extraordinário!
Mil parabéns ao Maestro Roberto Duarte e à Orquestra Sinfônica do Teatro São Pedro da cidade de São Paulo! Que tenhamos ainda muitos momentos gloriosos como esse, para engrandecimento de nossos espíritos e da verdadeira arte musical!
Campinas, 12 de junho de 2010
Dulce Míriam Schmidt
Ex-Violinista da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas.
Coordenadora Geral do “Grupo Sant’Anna Gomes de Estudos Musicológicos”