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      11/07/2010 | Os céus de Florence

      Estudos sobre o firmamento revelam um artista sensível e admirador dos cenários celestes.

      Pouca gente repara nos céus retratados pelos artistas nos quadros. Na verdade, pouquíssimas pessoas reparam na beleza do céu no dia a dia. Obra de arte em construção constante da natureza, o firmamento foi também objeto de estudo de Hercule Florence que, no recém-lançado livro Céus - O Teatro Pitoresco-Celeste de Hercule Florence, revela-se um homem sensível e profundo admirador da abóbada celeste.

      Na publicação constam 22 estudos sobre o céu com comentários do autor, que se revela um verdadeiro artista. “Se a mim fosse dado o direito de respeitar a minha vontade, eu desejaria somente seguir a carreira de pintor”, confessou.

      A razão dos estudos, segundo ele, é o uso para jovens paisagistas. “Não sei se estou enganado, mas tenho a impressão de que a maior parte dos céus que se vê nas gravuras é imaginado dentro de um escritório. Não ignoro que a imaginação de um pintor seja rica e exercitada pelo gênio do observador adiar o término de sua paisagem, ele então pintará o céu”, escreveu. E continua: “Não creio que exista alguma obra deste gênero: tenho certeza de que muito se tratou sobre os céus em obras de pintura, principalmente para as paisagens, mas desconheço a publicação de algum tratado especial sobre os céus, acompanhados de uma coleção de estampas que representam somente céus e destinado a servir de estudos ou exercícios para jovens paisagistas”.

      A organização da obra ficou a cargo de Leila Florence — bisneta do artista-naturalista-inventor que morou em Campinas por volta de 1830 —, que trabalhou nessa publicação durante nove anos, reunindo as obras, buscando as anotações, identificando os manuscritos e reunindo tradutores — o livro traz traduções de todos os textos para o francês, língua mais utilizada por Florence em seus estudos, e para o inglês. “A coleção completa estava no nosso núcleo familiar. São 75 manuscritos e 200 desenhos e gravuras, além de uma coleção de cartas”, contabiliza.

      Em algumas anotações, ele confessa a dificuldade de pintar às pressas para dar tempo de captar as variações de tons dos céus. Não raro se pode notar anotações de letras ou números feitas levemente a lápis nas obras para que o artista pudesse se lembrar dos tons que queria usar.

      A técnica mais usada por Florence nos estudos, assim como nas gravuras da Expedição Langsdorff, da qual ele era o desenhista oficial, é a aquarela. “Ele usava o lápis para fazer anotações e, depois, retomar as cores e as formas. Este era o processo de trabalho dele. Ele queria ser o mais correto possível”, afirma a organizadora da publicação.

      E é justamente a busca pela exatidão que fez com que Florence, na mesma época, realizasse anonimamente, solitário e distanciado dos europeus, descobertas na área da fotografia, sendo depois reconhecido como um dos primeiros fotógrafos do mundo. “Justamente em 1832, quando ele faz os primeiros estudos dos céus, começa a agir na área da fotografia”, observa Leila.

      No início do livro, de 259 páginas, há um breve histórico da vida do inventor que viveu em Campinas em 1830, na época conhecida como São Carlos, onde se tornou fazendeiro de café. Aliás, 15 dos céus são retratos do horizonte campineiro.

      O livro, publicado pela Florescer Produções Culturais, conta com análises das obras por Jorge Coli, professor de História da Arte da Unicamp; um estudo dos aspectos psicológicos dos textos de Florence pelo psicanalista e filósofo Guilherme Massara Rocha e análise dos céus pelo meteorologista Rubens Junqueira Villela. Céus pode ser encontrado na Livraria Cultura a R$ 180,00.


      BIOGRAFIA

      Hercule Florence (29/2/1804 - 27/3/1879) foi naturalista e desenhista brasileiro de origem francesa. Pioneiro da fotografia no Brasil, é considerado um de seus inventores. Filho de um cirurgião do exército real francês, Antoine Hercules Romuald Florence nasceu em Nice e herdou do pai o gosto pelo desenho. Seu interesse pelo mar e pela geografia foi estimulado pela leitura de Robinson Crusoé. Aos 16 anos, viajou para Antuérpia, na Bélgica, para trabalhar. Não conseguiu o cargo pretendido e voltou a pé para casa. Dois anos depois, se alistou como marinheiro. Em 1824 veio ao Rio de Janeiro, onde se empregou como caixeiro em uma loja de roupas e, mais tarde, numa tipografia e livraria.

      Em 1825 descobriu, por meio de um anúncio, que o naturalista russo Georg Heinrich von Langsdorf procurava um desenhista para uma expedição que faria pelo interior do Brasil. Então se integrou a ela e atravessou São Paulo, Mato Grosso e Grão-Pará em quatro anos, retornando ao Rio de Janeiro em março de 1829. Em seguida, foi para Itu, e, depois, para a Vila de São Carlos, atual Campinas. Aqui, iniciou suas pesquisas e descobertas. Estudou os sons dos animais e, paralelamente, uma nova forma de impressão. Sem conhecer o trabalho do francês Nicéphore Niépce — responsável pela fixação da primeira fotografia em 1826 —, Florence imprimiu imagens pela ação da luz em 1832, com base no princípio de negativo/positivo, que permite a reprodução das chapas. O mesmo processo só seria desenvolvido pelo inglês William Talbot em 1839. Morreu em Campinas.

      ESTANTE

      “Um pintor pode estar infeliz, isolado, mas a vista do céu o acompanha até mesmo no exílio mais ingrato e mais monótono para a pintura. E, no entanto, é nas grandes cidades onde tudo se encontra reunido para auxiliar um artista que se vê o céu com maior dificuldade. Tratemos de ser úteis para os aprendizes e desenhistas que não dispõem dos meios de viver no campo ou de visitá-lo com frequência.”


      Trecho de Céus — O Teatro Pitoresco-Celeste de Hercule Florence
      Publicado pela Florescer
      Produções Culturais
      259 páginas
      R$ 180,00 na Livraria Cultura

       

      Publicada em 11/7/2010
      Caderno C
      Os céus de Florence

      Paula Ribeiro
      DA AGÊNCIA ANHANGUERA
      paula.ribeiro@rac.com.br





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