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A FUNÇÃO SOCIAL E REAL DAS MARCAS E PATENTES
*Clara Toledo Corrêa
Função social da propriedade é uma expressão que soa bonito e que pode caber em diversas áreas, inclusive no âmbito da Propriedade Industrial e Intelectual. Quando se fala em função social da propriedade muitos imaginam algo intangível ou inúmeras doutrinas discorrendo sobre vertentes das mais variadas formas. Entretanto, tal função é algo muito mais prático do que se imagina. Isso porque o Direito em si nasce, também, para regular situações vividas em nosso cotidiano – e diga-se de passagem – não muito raro, não consegue acompanhar a velocidade com que as mudanças ocorrem na sociedade.
É bem verdade que esse emprego tão prático da propriedade – e da propriedade industrial, marcas e patentes – está discorrido de forma bem técnica e não muito inteligível para todos os cidadãos em nosso ordenamento jurídico, mas com exemplos podemos elucidar. Assim, sentimos a presença da função social da propriedade no mundo das marcas e patentes quando um remédio – ou melhor, uma patente de remédio – por exemplo, é colocada à disposição da sociedade frente a uma epidemia. Mas, e as marcas? As marcas muitas vezes podem ser relacionadas ao mundo das futilidades, pois, em geral, quando se pensa em marca logo vem aquela “grife” na cabeça. Não obstante, esse sinal está ligado a algo muito mais profundo – embora não soe assim logo “de primeira”. Está ligado a uma empresa.
Sim, uma marca está fortemente relacionada a uma empresa e, consequentemente, uma empresa está relacionada à sociedade e a todo desenvolvimento que é levado a uma determinada região. São empregados que possuem famílias para sustentar e o próprio empresário, bem como todo o crescimento econômico local. Todavia, o contrário, também, pode acontecer. Quando uma empresa fracassa, famílias e toda uma região podem estar fadadas a mesma sorte (temos como exemplos concretos, as cidades que foram abandonadas nos Estados Unidos depois de indústrias que faliram).
Assim, pensando nessa situação de equilíbrio e desequilíbrio econômico, há tempos a função social é intrínseca à propriedade e garantida por lei. Ou seja, tal título (propriedade é um título) acaba se vinculando a três princípios, que são: bem comum, participação e solidariedade. Quando se imaginaria que uma marca estaria relacionada a ideais tão fortes? Então vem a pergunta: Mas como isso se aplica, mesmo, à marca? Como vislumbramos isso em um mundo real, longe de leis e teorias?
Simples, basta analisarmos a situação real da empresa mexicana de eletrodomésticos Mabe, com fábricas em Campinas e Hortolândia, que teve a sua falência decretada em fevereiro de 2016 e deixou seus 1,9 mil ex-funcionários com salários atrasados, além de suspender toda a sua produção. Infelizmente o problema todo não foi revertido, mas uma boa e grande parte dele foi solucionada com a venda do direito de uso das marcas Dako e Continental para a sueca Electrolux, tradicional fabricante de eletrodomésticos no País. As duas marcas foram adquiridas por R$ 70 milhões, o que deve ajudar de forma positiva na quitação dos débitos trabalhistas com os ex-funcionários, beneficiando assim também as suas famílias.
Temos nesse fato narrado, um exemplo prático da função social da propriedade de uma marca, o que nos leva a outra questão. Não se faz o que bem entender com uma marca, apenas por ser o titular dela, pois é necessário atender aos interesses coletivos e a um certo equilíbrio social, o que pode soar um tanto quanto utópico, infelizmente. Assim, o registro de uma marca não é apenas importante para o advogado que o faz ou para o empresário que a criou ou a desenvolveu, mas para toda a sociedade.
*Clara Toledo Corrêa é advogada da Toledo Corrêa Marcas e Patentes. E-mail – claratoledo@toledocorrea.com.br
Foto: Roncon & Graça Comunicações